Archigram: trajetória e influências ao longo de suas produções

O texto ‘Algumas Notas sobre a Síndrome Archigram’, de Peter Cook, é o símbolo da arquitetura no início da era da reprodutibilidade em massa. Publicado pela primeira vez pela Perspecta 11 - Yale Architectural Journal de 1967 e republicado no livro ‘Textos de Arquitectura de la Modernidad’ de 1999, o texto retoma a partir do olhar do autor a cronologia e as consequências do pensar e fazer arquitetura proposto pelo grupo Archigram - publicação anual que deu origem ao coletivo de arquitetos de mesmo nome.

O grupo destaca-se como marco de transformações do pensamento da cidade, da representação, da arquitetura e do saber tecnológico aplicado ilimitadamente dentro da sua produção. E, dessa forma, fazendo com que suas elaborações não sejam isoladas, mas sim vinculadas às principais manifestações artísticas na Inglaterra e nos EUA - com o Independent Group e as ondas de ‘contracultura’. 

Esse cenário da década de 1960 é o retrato da congruência de grandes mudanças sócio-políticas, reviravoltas no jeito de se pensar e fazer sociedade, o consumo e a comunicação, a inserção massiva de aparelhos de comunicação dentro dos círculos familiares, mudanças marcantes dos contextos urbano e privado, redirecionamento das produções fordistas e mecanizadas, a rápida expansão urbana com o surgimento das classes médias em torno das grandes aglomerações urbanas - os subúrbios, o desenvolvimento tecnológico exacerbado, a Guerra Fria e as consequência da Corrida Espacial. E é dentro desse contexto que o grupo se insere, se tornando produto de uma época que se apropria da construção coletiva de um otimismo tecnológico. Tornando-se, então, uma resposta crítica perante à arquitetura moderna, racional e funcional produzida até então.  

O terreno fértil para experimentação de projetos fez com que o futuro desejado pelo Archigram começasse a ser construído desde 1961 - com o lançamento da primeira revista Magazine 1. O grupo acreditava que o formato da revista se estabelecia como possibilidade de divulgação de suas ideias utópicas; de exposições de projetos dos membros em manifestações de distintas expressões; de ser um vínculo com a comunicação que tencionava a conexão entre tecnologia e o homem, e promover uma procura de novos olhares do fazer arquitetônico. Também acreditava-se que os projetos expostos nas revistas poderiam se tornar possibilidades viáveis para reconstruções do pensar de uma arquitetura feita para um futuro técnico e seu momento de produção.

Ambos, revista e grupo, permaneceram em circulação entre os anos de 1961-1974. Em que, ao longo dessa pequena década, muitas foram suas transformações e desenvolvimento de uma série de teorias individuais e coletivas.

A revista inaugural - Magazine 1 - de 1961, foi publicada em uma folha no jornal local, iniciando com um poema do próprio David Greene com apenas 300 exemplares. Apesar de simples, foi nela que pode-se observar o início de consecutivas propostas para o repensar da ideia da arquitetura, da construção e da cidade. O Archigram nasce também com grande influência da Unit House do designer George Nelson (1908-1986) que propunha a partir de produções no próprio ateliê uma possível casa em montantes, encaixes e pré-fabricação.

Ao longo da trajetória, Archigram consegue reinventar as possibilidades da representação arquitetônica. A Magazine 2 (1962) é o início de especulações da representação não mais vinculada a um carácter técnico e escolástico - plantas, cortes e elevações. Já nos primeiros esboços projetuais de membros do grupo é possível observar uma nítida intenção de apropriações com colagens, desenhos e fotografias feitas pelo Independent Group.

Mais adiante, em uma tentativa de estabelecer uma mobilidade construtiva dos projetos propostos surge em conjunto com a AA (Architectural Association School of Architecture), a exposição Living City na ICA - Institute of Contemporary Art. A exposição fez com que o grupo desse seus primeiros passos para a produção do projeto Plug-In City do próprio Peter Cook. Ao qual, se baseia em uma tentativa de criar uma megaestrutura que promovesse em grande escala o network com serviços e necessidades, o projeto seria publicado em 1963 pela Magazine 3.

Archigram: trajetória e influências ao longo de suas produções - Imagem 3 de 6
Plug-in City, Archigram. Cortesia de Peter Cook vía Archigram Archives

A Plug-In City é o conceito de cidade como estrutura única. A malha principal assegurava que todos os módulos de infraestrutura e moradia ficariam estáveis dentro da composição. As grandes possibilidades de reajustes e novidades é visto no projeto frequentemente, e traz referência ao movimento do mercado de consumo das grandes massas - assim toda a cidade estaria vinculada dentro de um sistema de descarte. E portanto, todas as suas peças poderiam ser cambiáveis e teriam data de validade de uso, fazendo-se necessária a substituição por um “novo modelo”.

Ou seja, segundo essa lógica: as paredes da cozinha teriam uma validade de três a cinco anos de duração, com uma troca constante de eletrodomésticos e do fogão. Já as moradias teriam uma validade de 15 anos, que necessitaria desde um câmbio da infraestrutura até a sua mudança locacional dentro da malha principal. Os espaços de trabalho e comércio teriam uma validade de 4 anos. Nem os corredores de grande circulação estavam poupados das constantes substituições; rodovias, eixos de circulação e ruas variariam de modal a cada 20 anos. A própria megaestrutura da cidade precisaria ser trocada a cada 40 anos para renovações. Archigram considerava que o viver estava transitando de uma maneira tão veloz, que seria necessário repensar novos e diversos modos do morar, desenvolvendo, assim, em conjunto com a tecnologia um otimismo e uma hibridez e transitoriedade dos espaços. Levando sempre em consideração a pergunta; Será que a cidade precisa ser fixa?

Archigram: trajetória e influências ao longo de suas produções - Imagem 2 de 6
Plug-in City, Archigram. Cortesia de Peter Cook vía Archigram Archives

Nesse contexto de produção nasce a Magazine 4 (1964). A primeira publicação a ser divulgada nos EUA e no Japão, colaborando para a importância do coletivo jovem no círculo internacional. Além de apresentar uma capa icônica, ela também se destaca por apresentar uma proposta inédita de sequências de projetos. Possuía com temática central o questionamento da arquitetura como um disciplina sagrada e as problemáticas da arquitetura produzida até então pelo grupo moderno. O grande espraiamento dos ideais Archigram pelo principais polos de cultura do mundo e a ida da Magazine 4 para o Japão foi essencial para a construção do movimento metabolista japonês, que viam o que era produzido no ocidente como uma possibilidade de uma sociedade de cápsulas modulares uma grande ideal de futuro.

A obra do Archigram tinha afinidades surpreendentes com a dos metabolistas japoneses, que, reagindo às pressões da superpopulação de seu país, começaram, no final dos anos 1950, a propor o desenvolvimento e a adaptação de megaestruturas "de encaixe" nas quais as células vivas. — Frampton, 1997

Archigram: trajetória e influências ao longo de suas produções - Imagem 5 de 6
Arquitetura metabolista em Tokyo, Japão. Cortesia de Nakagin Tower

Já a seguinte revista, Magazine 5 (1965), se formaliza pelo início de estudos das megaestruturas e propostas que pensassem alternativas do desenho da cidade. Como é o caso do projeto de Walking City de Ron Herron, ao qual foi concebido uma cidade que se move dentro do território, como um possível ideal de capital do mundo que pudesse se locomover conforme os interesses. As associações com as megaestruturas foram essenciais para proposições posteriores como a Dream City e UnderWater City. Dentro dessa vertente os projetos teciam tensões e questionamentos perante os tipos de habitações - ao quais poderiam ser modulares e se movimentarem em forma de casa trailer pelo território, até as questões em escala mais abrangente como o pensar dos aglomerados urbanos. 

A Magazine 6 (1965) se dedicou à uma retrospectiva dos anos 40, como também do tema da pré-fabricação de peças para a construção. A Magazine 7 (1966) é considerada um manifesto, um documento rigoroso onde percebe-se o otimismo do grupo em relação a tecnologia, que logo mais daria espaço à uma segunda geração de ondas de problematização dessa associação sistémica.

O Archigram 7 (em preparação para o momento de escrever esse artigo) é outra edição "manifesto": o tempo veio a confirmar alguns fundamentos da posição atual do Archigram que, apesar de sua difusão crescente, tem sido constantemente mal interpretado. Porém agora chegou a segunda etapa. Agora os métodos e as tecnologias podem ser fixados em detalhe. — Cook, 1967

‘Algumas notas sobre a Síndrome Archigram’ (1967) encerra retomando as proposições de um início por uma arquitetura móvel, e das megaestruturas propostas pelas revistas dentro de um cenário de mudanças sugestivas. Mas nos anos posteriores até o seu fim em 1974, o debate sobre as proposições, a influência da tecnologia da vida humana e suas consequências é ampliado nas revistas Magazine 8 (1968), Magazine 9 (1970) e a Magazine 9¹/² (1974). Há a retomada de críticas à própria arquitetura desenvolvida, abandonando as soluções totalizantes da cidade e reforçando o trabalho com a mobilidade e o impacto da tecnologia da vida privada. No início de 1968, é publicado projeto de David Greene - Computer City ou floresta cibernética - em que o arquiteto examina a relação efêmera, transitória e híbrida do homem com as tecnologias além de questionar e tecer os limites entre a arquitetura e o meio digital.

O grupo Archigram termina sua produção em 1974, 7 anos depois da publicação do texto de Peter Cook, suas referências para legitimidade e construção dentro de um cenário de convergências culturais, políticas e sociais são fortes para a identidade do grupo. O mesmo não produz de maneira isolada, suas proposições tangem diversas manifestações culturais desenvolvidas entre as décadas de 1960 e 1970. Capas, projetos e imagens relacionam-se e se remetem à projetos da Pop Art, do desenvolvimento do sci-fi e principalmente do mundo dos quadrinhos - comics e space comics - que mesmo que feito para o mundo do entretenimento, revela uma busca por ambientes mais dinâmicos das utopias e distopias do morar.

Archigram: trajetória e influências ao longo de suas produções - Imagem 4 de 6
Arquitetura e Comics Space. Cortesia de Stewart Hicks

A Magazine 4, mais conhecida das publicações, apresenta em sua capa múltiplos cruzamentos entre as vanguardas construtivistas, do futurismo italiano e do expressionismo alemão. Por ter sido a primeira publicação internacional apresenta temas como ficção científica, fatos científicos e quadrinhos espaciais. A discussão da Plug-In City aparece como marco da produção Archigram, assim como o uso das cápsulas. A palavra ZOOM, notória na capa, se remete à rapidez da montagem das pequenas “naves” pré-fabricadas dos projetos. Com mil exemplares, a revista se desdobra a partir do ensaio Warren Chalk com o tema da ficção científica, e o texto é diagramado dentro de painéis de quadrinhos espaciais. Outra vertente artística de mesmo período, a Pop Art, revela-se importante para a manifestação de imagens dos projetos desenvolvidos. Além de muitos membros associados a revista, também serem artistas da vertente pop, a aproximação é vista pelo uso de imagens extraídas com energia semelhante às explosões de tecnologia da cultura do consumo, e pela primeira vez na disciplina o projeto passa a ser vendido e convertido em mercadoria. O Archigram usa e busca as imagens da cultura de massas para a sua repercussão, e questiona até onde o projeto pode ser capaz de limitar, desenhar e intervir na vida humana.

Como feito pelos arquitetos Pere Hereu, Josep Maria Montaner e Jordi Oliveiras, na publicação do livro ‘Textos de Arquitectura de la Modernidad’ de 1999, o grupo Archigram não poderia estar de fora da grande retrospectiva das transitoriedades da disciplina de arquitetura do século passado. Archigram foi uma das principais influências para o desenvolvimento da arquitetura no campo ampliado, para os metabolistas japoneses e para a visão da utopia como uma forma de produção arquitetônica. Não à toa, que o grupo tenha destaque no livro, suas produções possibilitaram o surgimento de manifestações artísticas e representações da arquitetura de maneiras inovadoras e representação imagética da técnica de forma simples e compressiva do novo espaço da arquitetura. Archigram também legitima a produção que tenha como carácter a inviabilidade construtiva. Isso pois, mesmo que ela seja voltada ao campo teórico, as proposições permanecem vivas como parte ativa do processo de criação. Dessa maneira, as produções projetuais podem também atuar como modelos positivos de informação, não restritivos, absolutos ou impossíveis; fazendo-se que o exercício do projetar não se caracterize como fim, mas como meio.

Archigram: trajetória e influências ao longo de suas produções - Imagem 6 de 6
Instant City, Archigram. Cortesia de immaculate archive: Archigram, sob a licença de CC by 2.0.

“Dessa maneira, o grupo atuou no mundo do discurso arquitetônico” (CABRAL, 2001). Apresentando não apenas as suas proposições, mas reconhecendo que o fluxos das congruências de narrativas, das soluções totalizantes à fragmentação,  da oscilação entre lógica mecânica à total tecnologia eletrizante e da ordem do suscetível à desordem do simultâneo podem e devem refletir  dentro do cenário de transições políticas, sociais e econômicas. Como ilustrado pelo grupo e exemplificado no texto, a produção de arquitetura não pode estar desassociada da sua época de manifestação, aliás tudo aquilo que é produzido é resposta e vertente de seu tempo. 

Referência Bibliográfica:

  • COOK, Peter. Algunas notas sobre el Síndrome Archigram. In: HEREU, Pere, MONTANER, Josep Maria, OLIVERAS, Jordi. Textos de Arquitectura de la modernidad. Madrid: Nerea, 1994
  • CABRAL, Cláudia Piantá Costa. Grupo Archigram, 1961-1974: uma fábula da técnica. Tese doutoral, Barcelona, ETSAB/UPC, 2002.
  • CHALK, Warren. Touch not. Architectural Design, abril de 1971, p. 432. COOK, Peter. Genaue erinnerungen/Accurate reminiscences. In: STOOSS, Toni.
  • DA SILVA, Marcos Solon Kretli. Redescobrindo a arquitetura do Archigram. Disponível em: https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.048/585/ Acesso em: 30 de maio de 2020.
  • KAMIMURA, Rodrigo. Tecnologia, emancipação e consumo na arquitetura do anos sessenta. Constant, Archigram, Archizoom e Superstudio. 2010. 222 p. Dissertação (Mestrado em Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo) - Escola da Engenharia Civil de São Carlos, 2010.
  • FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins Fontes. 1997.

Galeria de Imagens

Ver tudoMostrar menos
Sobre este autor
Cita: Tamara Crespin. "Archigram: trajetória e influências ao longo de suas produções" 03 Out 2021. ArchDaily Brasil. Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/969450/archigram-trajetoria-e-influencias-ao-longo-de-suas-producoes> ISSN 0719-8906

¡Você seguiu sua primeira conta!

Você sabia?

Agora você receberá atualizações das contas que você segue! Siga seus autores, escritórios, usuários favoritos e personalize seu stream.